segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

4 ou 5 págs.: A MARYLIN

Ela tinha um problema: queria ser como a Marylin, maravilhosa, mas tinha essa pecha chata (...cha-chata...) de ataques diários de pânico da morte súbita. Uma tia psi explicou-lhe que ela  fazia parte do grupo de pessoas que se apercebiam de que a morte podia ser iminente, vir sem aviso, daí a urgência de partir que sentia. Isso, ela  fazia com ele, passeando de automóvel, sem destino -- e este viajar sem destino, em que ela, como por milagre, se esquece da fobia quotidiana, aparece como um escapismo à sua vida insignificante, de que indirectamente nos apercebemos: da alusão às "arcas dos ultracongelados" do supermercado, passando  pelo modo basbaque como se refere "àquele sítio dos Templários", Tomar ("parece que há lá muitos mistérios"), até à pensão manhosa ("fica num bloco de apartamentos para habitação social"), onde acabam o dia -- e se acaba o texto --, sem que tivessem vislumbrado mistério nenhum e nenhum achaque paniquento houvesse dado cor à jornada desta pobre marylin.
Crónica ficcionada (no fundo, não o são todas as crónicas?...), lembrando, por vezes, as de Lobo Antunes, prosa directa e concisa, períodos curtos, jornalísticos, estilo trabalhado, um sentido de humor burlesco.

O incipit: «Ela era como a Marylin e só queria ser maravilhosa.»
um parágrafo: «E ela ia, ver se chovia. Enquanto ela ia e vinha -- podia até dar-se o caso de não voltar -- ela era maravilhosa e era isso que contava.»

Sarah Adamopoulos, A Vida Alcatifada, Lisboa, Fenda, 1997, pp. 11-14.



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