segunda-feira, 30 de junho de 2014

leituras de 2014 - #31 A HISTÓRIA DO PEDRITO COELHO

Só em adulto conheci o famoso Peter Rabitt, e creio que através do merchandising, em primeiro lugar. Foi quando comprei os primeiros livrinhos para a minha filha mais velha que entrei no mundo encantado de Beatrix Potter, autor completa que ilustrava o que escrevia, com desenhos que evocam uma englishness ainda vitoriana.
Do Pedrito Coelho, ficamos a saber que é um traquina. A mãe mandara os filhos apanhar amoras, recomendando que se afastassem do quintal do senhor Gregório -- o mesmo que apanhara o pai, transformando-o em empadão. Está-se mesmo a ver que foi precisamente para aí, e ao contrário dos irmãos obedientes, que o làparozito se dirigiu... Das peripécias que se seguiram, extraiu-se, no fim, uma moral com exemplo: enquanto à noite os irmãos comiam pão, leite e amoras, o coelhinho rebelde dormia exausto por uma jornada atribulada quer certamente não quis repetir.
O texto do editor, na badana, assegura que "Estes livrinhos deviam figurar entre os primeiros que qualquer criança possui [...]." O editor tem razão.   5*****

Ficha:
Autora: Beatrix Potter
título: A História do Pedrito Coelho
tradução: Maria Isabel de Mendonça Soares
"Colecção Pedrito Coelho" #1
editora: Verbo
local: Lisboa
ano: s.d.
impressão: omisso (Grã Bretanha)
págs.: 59  

sábado, 28 de junho de 2014

Leituras de 2014 - #30 O MARSUPILAMI NEGRO

O Marsupilami é uma das mais geniais criações da BD, em qualquer latitude. Congeminado por André Franquin, em 1952, para a série Spirou, dela o retirou quando deixou de trabalhar nas aventuras do jovem groom  belga. Franquin, autor também, e entre outros, do único e inimitável Gaston Lagaffe e da série de humor lúgubre Ideias Negras, avançou com uma série autónoma desta criatura magnífica, originária da selva da Palômbia, república sul-americana ficcional.   
O Marsupilami fez muita falta às histórias de Spirou e Fantásio, pois tornara-se numa importante personagem secundária, coadjuvante deste émulo de Tintin. A série independente tornou-se mais infantil, porventura assumidamente. Nesse aspecto, O Marsupilami Negro (Mars le Noir, 1989) é altamente recomendável para iniciar os mais novos num universo que nunca mais deixa sair quem lá alguma vez logrou entrar.  3***

Ficha:
Autores: Franquin, Batem e Yann
título: O Marsupliami Negro
tradução: Catarina Labey
colecção: «Marsupilami» #3
editora: Edições Asa
local: Porto 
ano: 2004
impressão: Grafiasa, Rio Tinto
págs.: 48

quinta-feira, 26 de junho de 2014

livros que me apetecem

Do JL de ontem, alguns dos livros que mais me apetecem:
Donzela Guerreira, de António Torrado (Asa)
Ensaios Escolhidos, de Virginia Woolf (Relógio d'Água)
No Céu não Há Limões, de Sandro William Junqueira (Caminho)
Poemas de Venbeno e Asas Frias, de Puri Fontes (Modo de Ler)
Portugal na Queda da Europa, de Viriato Soromenho Marques (Temas e Debates / C. Leitores)









terça-feira, 24 de junho de 2014

leituras de 2014 - #29 GENTE FELIZ COM LÁGRIMAS


Quando é que percebemos que um romance é um grande romance? Quando ao fim das primeiras vinte ou trinta páginas verificamos duas coisas: o autor dando muito (ou tudo...) de si, dádiva que recebemos por vezes até com algum pudor; e quando o estilo é um profundo e honesto trabalho sobre a escrita, muitas vezes na corda bamba, pois a literatura com L tem de estar sempre  nesse patamar elevado em que o autor a si próprio se desafia. 
Vem isto a propósito do romance de João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas (1988), saga (ou anti-saga) duma família açoriana. Irmãos com infâncias fechadas e trabalhosas, tiranizadas pelas idiossincrasias paternas; a saída da ilha (uma fuga, no fundo), seminário e convento, guerra em África, emigração para a América, desenraizamento. Alguns triunfos com amargos de boca, na escrita ou na vida. A narrativa flui a várias vozes, a personagem principal, Nuno, seminarista expulso, depois professor e escritor; mas também alguns irmãos, cada um dando a sua perspectiva ao leitor; Nuno e Marta, depois, (ex-)marido e (ex-)mulher; e Nuno e o seu duplo, Rui Zinho, pseudónimo com que assina a obra literária.
É um dos grandes romances portugueses do século XX, de extrema poeticidade, elaborando sobre a passagem do tempo, onde, apesar das lágrimas, se vai à procura de alguma felicidade imaginada, construída para além dos traumas. 5*****

Ficha:
Autor: João de Melo
título: Gente Feliz com Lágrimas
colecção: «Mil Folhas» #29
editora: Público
local: Porto
ano: 2002
impressão: Printer, Barcelona
págs.: 415


sábado, 14 de junho de 2014

o que é a arte?

«Estando gastos os modos de expressão, a arte orienta-se para a ausência de sentido, para um universo privado e incomunicável. Uma vibração inteligível, seja em pintura, música ou poesia, parece-nos, com toda a razão, obsoleta ou vulgar. O público desaparecerá em breve; a arte não tardará a segui-lo.
     Uma civilização que começou pelas catedrais tinha que acabar no hermetismo da esquizofrenia.»

E. M. Cioran, Silogismos da Amargura (1952)
(tradução: Manuel de Freitas)

sexta-feira, 13 de junho de 2014

marginálias

«Apresentando-se como o reverso de uma feminilidade assisada e maternal, provocam atracção e repulsa. Na grande maioria oriundas de famílias operárias e artesãs, fizeram do próprio corpo seu instrumento de trabalho. Algumas foram obrigadas a vender-se para poderem muito simplesmente continuar vivas. As histórias de mulheres sós e abandonadas, com filhos pequenos a morrer de frio e miséria em quartos gelados, que, para sobreviverem, se lançam nas ruas "a fazer a vida" não são meras ficções de folhetinistas. Numa altura em que as classes sociais ganham forma, sem estarem definitivamente cristalizadas, numa altura em que como tão bem demonstrou Louis Chevalier*, as classes trabalhadoras se tornam classes perigosas tendo por fundo uma burguesia que entesoira e começa a querer esbanjar para obter prazer, como sabia fazer, pensa ela, a aristocracia, as prostitutas vêm baralhar as pistas, atropelam as classes sociais, inflamam o imaginário dos homens e fazem recuar as fronteiras do pudor e da respeitabilidade.»

*Classes Labourieuses et Classes Dangereuses à Paris Pendant la Première Moitié du XIXe. Siècle (Paris, 1958).

Laure Adler, A Vida nos Bordéis de França -- 1830-1930 (1990)
(tradução: Maria Assunção Santos)

quinta-feira, 12 de junho de 2014

o autor e os seus livros

«Perguntaram-me várias vezes se não é este, entre todos os que escrevi, o livro de que gosto mais. Sou grande inimigo de favoritismos na vida pública, na vida particular e até mesmo nas relações melindrosas entre um autor e os seus livros. Por princípio, não tenho favoritos; mas não vou ao ponto de me sentir ofendido e molestado pela preferência que algumas pessoas dão ao meu Lord Jim

Joseph Conrad, Lord Jim (1900)
(tradução: Cármen González)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

como sopro dum vento

«Procuro o que me pode consolar como o caçador persegue a caça, atirando sem hesitar sempre que algo se mexe na floresta. Quase sempre atinjo o vazio, mas, de tempos a tempos, não deixa de me tombar aos pés uma presa. Célere, corro a apoderar-me dela, pois sei quão fugaz é o consolo, sopro dum vento que mal sobe pela árvore.»

Sitg Dagerman, A Nossa Necessidade de Consolo É Impossível de Satisfazer (1955)
(trad. Paula castro e José Daniel Ribeiro)

terça-feira, 10 de junho de 2014

leitura de 2014 - #28 HAVIA

Conjunto de narrativas breves, todas começadas pelo pretérito imperfeito do verbo haver. A capa desafia logo o leitor, seguindo-se a apresentação da autora («Havia uma escritora de contos curtos onde não cabiam narrativas compridas.») Por aqui se nota o ludismo, o brincar com as palavras e os conceitos, a inventiva que atravessa todo o livro, o jogo com o absurdo -- aliás, o primeiro conto começa assim: «Havia um absurdo que não ouvia nada bem» Por vezes, quando tudo parece resolvido e com final feliz ou edificante, dá-se uma reviravolta na página seguinte, com remate ora irónico, ora malicioso, por vezes sardónico... como sucede com aquela cidade desconhecida: «Havia uma cidade que ninguém conhecia porque permanecia anónima. Um dia um paparazzo apanhou-a nua, num barco de férias, ao lado do presidente da câmara da cidade rival. Ficou logo famosa.» (p. 34)   4****

ficha:
Autora: Joana Bértholo
título: Havia
subtítulo: Histórias de Coisas que Havia e de Outras que Vai Havendo
local: Lisboa
editora: Caminho
ano: 2012
impressão: Mirandela - Artes Gráfica
ilustrações: Daniel Melim
capa: Rui Garrido
págs.: 168
tiragem: 1000

segunda-feira, 9 de junho de 2014

leituras de 2014 - #27 RESISTÊNCIA DA POESIA

Resistência a quê? À banalização, à grandiloquência, ao onanismo autocomiserativo, à prostituição da palavra e do sentido. A poesia basta-se na sua precisão e comunica-se apenas disso. Para Nancy, a poesia, degradada de sobresignificação, «pode perfeitamente encontrar-se onde não existe propriamente poesia.» Um curto ensaio, «Fazer, a poesia», esplêndido, e uma entrevista, «Contar com a poesia».
O melhor de tudo: «"Poesia" não tem exactamente um sentido, mas antes o sentido do acesso a um sentido a cada momento ausente, e transferido para longe. O sentido de "poesia" é um sentido sempre por fazer.»  4****

ficha:
Autor: Jean-Luc Nancy
título: Resistência da Poesia
tradução: Bruno Duarte
local: omisso
editora: Vendaval
ano: 2005
impressão: Tipografia Guerra, Viseu
págs.: 44

leituras de 2014 - #26 A REDENÇÃO DAS ÁGUAS


Os últimos anos de D. João V, em deslocações regulares às Caldas da Rainha (de onde o autor é natural), para enfrentar um mal que o deixara semiparalizado, talvez um avc. Um bom pretexto para falar-se do lugar, a que se junta uma história de amor entre Pedro Fontes, escudeiro do infante D. Manuel, irmão mais novo do rei e Sara, uma filha ilegítima d'o Magnânimo -- o episódio mais eminentemente ficcional do livro, pois trata-se de romance histórico.
Neste aspecto, a pesquisa parece-me ter sido muito conseguida, não faltando o episódio de conspiração (ou alucinação visionária de um certo Pedro de Rates Henequim, personagem verídica, sentenciada pela Inquisição), que procurara fazer do infante D. Manuel um futuro imperador do Brasil, como forma de instaurar o V Império bandarro-vieirino.
O mais interessante da narrativa é a solidão do rei absoluto diante da doença e da aproximação da morte. Menos interessante, para mim, a história de amor, central, prejudicando, talvez, alguns aspectos que gostaria de ter visto mais desenvolvidos. 3***

ficha:
autor: Carlos Querido
título: A Redenção das Águas
subtítulo: As Peregrinações de D. João V à Vila das Caldas
edição: Arranha-céus
local: Lisboa
ano: 2013
capa: Elisabete Gomes / Silva Designers
impressão: Europress, Lisboa
págs.: 219
titagem: 1000

quinta-feira, 5 de junho de 2014

uma sensação agradável

ALEGRIA, n. Uma sensação agradável provocada pela contemplação da miséria dos outros.
Ambrose Bierce, Dicionário do Diabo (1906)
(tradução: Rui Lopes)

segunda-feira, 2 de junho de 2014

4 ou 5 págs.: EMBAIXADOR MESQUINHO

Após a Revolução de 1688, em Inglaterra, D. Pedro II incumbiu o Conde de Pontével de acompanhar o regresso a Portugal da viúva de Carlos II, Catarina de Bragança, sua irmã, tendo para o efeito obsequiado D. Nuno da Cunha de Ataíde com generosas "ajudas de custo".
Chegado a França, este foi confrontado com a impossibilidade do regresso imediato de D. Catarina, pelo que ficou por Paris, aguardando por instruções.
José da Cunha Brochado conta ser a avareza de Pontével de tal forma exacerbada, que o comportamento do aristocrata -- recorde-se, embaixador do rei de Portugal -- envergonhava, por, em tudo, do alojamento ao modo como se fazia deslocar, ser indigno dessa condição. Não esqueçamos, também, que estamos em plena corte de Luís XIV, o Rei-Sol, na qual se codificou a etiqueta -- que era muito mais do que um regulamento de boas maneiras --; e que as atitudes impróprias de um representante do Pacífico, comprometiam o estatuto do país e do seu soberano.
Brochado termina este apontamento "calando mil outras indignidades", informando que o conde aproveita boleia no navio para Lisboa do recém-nomeado embaixador de França em Portugal, que tudo tentou para eximir-se ao frete, sem sucesso, lançando aquele mão dos "mais infames meios" para ser bem sucedido, acabando por sujeitar-se "a vir mal acomodado, e de uma maneira indecente ao seu carácter." (isto é, categoria).

Início: «Resolvendo a Rainha D. Catarina voltar para Portugal depois da última revolução de Inglaterra mandou El-Rei o Conde de Pontével para a conduzir em qualidade de Embaixador a quem deu grossas ajudas de custo.»

Um parágrafo: «Sendo Paris uma Corte em que todo o mundo anda em carroça, ele andava a pé sem nenhuma autoridade, imaginando que em levar diante de si os seus Gentis-homens mal vestidos, tinha a equipagem que lhe bastava; e sendo advertido que devia alugar uma carroça, respondeu muito deveras que queria fazer exercício, como se este se fizesse andando atropelado pelas ruas, e fossem para isso piores os passeios, e os jardins públicos.»

Memórias de José da Cunha Brochado, edição de Mendes dos Remédios [1909], fac-símile, Cascais, Câmara Municipal, 1996, pp. 1-4. 

domingo, 1 de junho de 2014

Proletários de todos os países, perdoai-nos!

«Teorias, ideologias -- teorias ditas científicas, ideologias consideradas de pureza incontestável --que seduziram intelectuais, mobilizaram multidões, massas populares, comandaram lutas, revoltas, guerras em nome da felicidade do homem, dividiram o mundo em dois, um bom, um ruim, se revelam falsas, pérfidas, limitadoras: conduziram à opressão  e não à liberdade, e à fartura. Proletários de todos os países, perdoai-nos!, lia-se na faixa conduzida pelos moscovitas na Praça Vermelha durante o desfile de um 7 de Novembro recente.»

Jorge Amado, Navegação de Cabotagem (1992)