quarta-feira, 22 de julho de 2015

a grande prosa de Carlos Malheiro Dias

(Paixão de Maria do Céu (1902) -- 1.1.)

O tempo é de pré-invasão das tropas napoleónicas. Os gabinetes fervilham e enrugam-se, mas o Verão persiste, as vindimas aproximam-se -- o mesmo com a festa dos vinte anos da heroína. As ralações podem esperar, ou, mais popularmente: enquanto o pau vai e vem, folgam as costas -- isto mesmo escreve CMD, em grande estilo e bom asserto de psicologia colectiva:

     «Entretanto, Agosto acabava, abundante e fecundo, farto de messes e de vinho. À medida que se aproximava a guerra, ia decrescendo o pânico ateado na província pela nova da invasão. Só o inesperado é terrível. Por isso o inferno não basta para conter as almas na virtude.»

Humor ("mesuras e curveteios"):
     «Por uma tarde, ao voltar das herdades do Adro, Sepúlveda topara de longe, na estrada, com um cavaleiro às mesuras e curveteios, que logo descobriu ser o morgadinho de Barbosa.»

O velho militar Sepúlveda, como que alienado, é dos poucos que se preparam, dentro de si, para o que aí vem:
     «A sua mania soldadesca exacerbou-se subitamente. Até altas horas ficava debruçado sobre os mapas, gisando marchas vitoriosas desde Cidade Rodrigo até Abrantes, ou afundando imaginários exércitos de escantilhão, em gargantas e desfiladeiros de serras agrestes.»


2 comentários:

  1. Escondeu-me o livro, um amigo. Levou-o e não mo devolveu. Tem uma paixão pela Maria do Céu do romance. Sabe várias passagens de cor.

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    1. O melhor é oferecer-se um pelo Natal -- e procurar nos alfarrabistas, já que tão escondido como o romance está o autor.

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